Questionamento Socrático em Psicologia: Exemplos e Técnicas

O filósofo Sócrates permanece um enigma para muitos. Condenado à morte em 399 a.C. e sem deixar obras escritas, dependemos principalmente dos escritos de seu aluno, o renomado filósofo Platão, para entender suas ideias (Honderich, 2005).

Uma das contribuições mais marcantes de Sócrates é sua abordagem única à conversação, conhecida como questionamento socrático. Em vez de simplesmente transmitir conhecimento, Sócrates acreditava que tanto o aluno quanto o professor deveriam participar ativamente do diálogo, buscando juntos a verdade (Raphael & Monk, 2003).

Apesar de ter ocorrido há mais de dois milênios, o questionamento socrático ainda pode oferecer insights valiosos para professores, psicoterapeutas e treinadores. Essa abordagem incentiva a reflexão profunda, a busca pela verdade e o desenvolvimento do pensamento crítico, habilidades essenciais em diversas áreas da vida e do ensino.

Neste artigo, investigamos o conceito de questionamento socrático e sua aplicação em áreas como educação, terapia cognitivo-comportamental e coaching. Também apresentamos técnicas, exemplos de perguntas eficazes e exercícios práticos para aprimorar a habilidade de dialogar de forma mais profunda e produtiva.

Questionamento Socrático Definido

Muitas vezes, não percebemos o questionamento como uma habilidade essencial. No entanto, tanto na educação quanto na terapia, perguntas vagas e sem propósito podem ser improdutivas, desperdiçando tempo e não fornecendo informações úteis (Neenan, 2008).

O método socrático, muitas vezes considerado a base da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), aborda essa questão ao fazer perguntas direcionadas e abertas que estimulam a reflexão (Clark & Egan, 2015). Ao trazer à tona conhecimentos que estavam anteriormente fora de nossa consciência, essa técnica gera insights e auxilia na identificação de ações positivas.

O questionamento socrático é um método de diálogo disciplinado e atencioso entre duas ou mais pessoas, amplamente utilizado no ensino e aconselhamento para revelar e explorar valores e crenças profundamente enraizados que moldam nossos pensamentos e palavras.

Ao empregar uma série de perguntas direcionadas, porém abertas, podemos desvelar nossas próprias crenças e as dos outros.

Na educação, esse método pode desafiar a noção tradicional de um “sábio no palco”. Em vez disso, o professor assume uma postura de humildade, agindo como se não conhecesse o assunto. O aluno, longe de ser passivo, participa ativamente no diálogo.

Sem um plano de aula rígido e muitas vezes sem objetivos pré-definidos, o diálogo pode fluir livremente entre professor e aluno.

O método socrático é empregado no coaching, com ou sem um objetivo específico, para explorar nossos pensamentos mais profundos. Ter uma meta definida pode ser útil em situações em que há restrições de tempo, mas também pode fazer com que o cliente sinta que o coach tem uma agenda própria ou não está aberto à aprendizagem mútua durante a conversa (Neenan, 2008).

Na abordagem da descoberta guiada, a falta de um objetivo claro leva a perguntas feitas com genuína curiosidade, como “Você sente que pode se sentir inferior quando alguém ri de você?” Nesse contexto, o coach encoraja o cliente a ampliar sua perspectiva e considerar diferentes maneiras de abordar um problema.

Ambas as abordagens têm como objetivo mudar a forma como pensamos. Enquanto uma é conduzida pelo coach, a outra é liderada pelo cliente; portanto, o coach ou terapeuta pode precisar se movimentar em um espectro entre os dois durante a interação.

O que é o questionamento socrático na TCC e na terapia?

O questionamento socrático desempenha um papel fundamental no sucesso da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) (Clark & Egan, 2015). Na TCC, onde o foco está na modificação do pensamento para facilitar a mudança emocional e comportamental, essa técnica é reconhecida por auxiliar os clientes na definição de problemas, na identificação do impacto de suas crenças e pensamentos, e na análise do significado dos eventos (Beck & Dozois, 2011).

Os terapeutas de TCC que utilizam o método socrático ajudam os clientes a tomar consciência e a modificar processos que perpetuam suas dificuldades. A mudança subsequente na perspectiva e a reavaliação de informações e pensamentos que ocorrem podem ser extremamente benéficas.

Essa abordagem substitui a metodologia didática ou baseada no ensino e enfatiza o valor do questionamento reflexivo. Vários ensaios controlados demonstraram sua eficácia no tratamento de uma ampla variedade de distúrbios psicológicos.

Embora não haja uma definição universalmente aceita do método socrático na TCC, ele geralmente se refere ao uso do questionamento para esclarecer significados, provocar emoções e consequências, e gradualmente gerar insights ou explorar ações alternativas (James, Morse e Howarth, 2010).

É fundamental que, ao ser empregado na TCC, o método socrático seja não confrontacional e, em vez disso, orientado à descoberta, conduzindo a uma compreensão mais profunda e insights (Clark & Egan, 2015).

As questões socráticas na TCC costumam ter os seguintes atributos (adaptado de Neenan, 2008):

– Conciso, direcionado e claro: A atenção deve permanecer no cliente, evitando jargões e reduzindo a confusão.
– Aberto, mas com propósito: O cliente é incentivado a participar ativamente, com uma lógica clara por trás de cada pergunta.
– Focado, mas hesitante: O foco está na questão em discussão, sem pressupor que o cliente tenha a resposta.
– Neutro: O questionamento não sugere que exista uma resposta correta ou preferida.

Acima de tudo, é essencial lembrar que o questionamento socrático deve ser isento de confusões.

Como fazer questionamentos socráticos

Um diálogo frutífero utilizando o questionamento socrático é compartilhado, entre professores e alunos ou terapeutas e clientes.

Cada participante deve estar ativamente envolvido e assumir a responsabilidade de avançar a discussão.

O ambiente ideal, conforme descrito pelo professor Rob Reich, é o de “desconforto produtivo”, mas sem medo ou pânico (Reis, 2003).

Não deve haver adversários nem alguém desempenhando o papel de “advogado do diabo” para testar os outros. Em vez disso, é mais benéfico manter a mente aberta e estar pronto para ouvir e aprender.

Orientação

Algumas orientações são sugeridas para realizar o questionamento socrático de forma eficaz.

Conselhos para o orientador ou professor:

• Planeje perguntas significativas para fornecer uma estrutura e direção geral sem ser excessivamente prescritivo.
• Dê tempo suficiente para que o aluno ou cliente responda às perguntas sem sentir-se apressado.
• Estimule a discussão com perguntas investigativas que se baseiem nas respostas fornecidas.
• Encoraje a elaboração e facilite a autodescoberta por meio do questionamento.
• Mantenha o diálogo focado, específico e claramente articulado.
• Faça resumos periódicos do que foi discutido.
• Utilize perguntas abertas em vez de perguntas que possam ser respondidas com sim ou não.
• Evite ou reformule perguntas que sejam vagas, ambíguas ou que estejam além do nível de compreensão do ouvinte.
  Para um aluno ou cliente, é útil compreender as expectativas.

Conselhos para o aluno:

• Participe ativamente e com consideração.
• Responda de maneira clara e sucinta.
• Dirija-se a toda a turma, quando apropriado.

Para ser o companheiro ideal para o questionamento socrático, você precisa ser genuinamente curioso, disposto a dedicar tempo e energia para desvendar crenças e ser capaz de revisar de forma lógica e imparcial contradições e inconsistências.

15 exemplos de questionamento socrático

Quando empregado de maneira eficaz, o questionamento socrático é uma técnica persuasiva para explorar questões, ideias, emoções e pensamentos. Ele possibilita a abordagem e a análise de conceitos equivocados em um nível mais profundo do que o questionamento comum.

Para aplicá-lo com sucesso, é necessário utilizar diversos tipos de perguntas para envolver a pessoa e obter uma compreensão detalhada.

1. Esclarecimento:
   • O que você quer dizer com X?
   • Você poderia explicar melhor esse ponto? Poderia dar um exemplo?
2. Desafio de suposições:
   • Existe outro ponto de vista?
   • Que suposições estamos fazendo aqui? Você está sugerindo que…?
3. Evidências e raciocínio:
   • Você poderia fornecer um exemplo que apoie o que está dizendo?
   • Podemos verificar essa evidência? Temos todas as informações necessárias?
4. Pontos de vista alternativos:
   • Existem outros pontos de vista possíveis?
   • Como outra pessoa poderia interpretar isso e por quê?

Aplicações em sala de aula: 2 exemplos

O questionamento socrático exige que o aluno identifique e defenda sua posição em relação aos seus pensamentos e crenças.

O aluno é solicitado a prestar contas de si mesmo, em vez de recitar fatos, incluindo suas motivações e preconceitos nos quais se baseiam seus pontos de vista.

A discussão é menos sobre factos ou sobre o que os outros pensam sobre os factos, e mais sobre o que o aluno conclui sobre eles. As crenças subjacentes de cada participante da conversa estão sob revisão, em vez de proposições abstratas.

E segundo a ciência, funciona muito bem. A pesquisa confirmou que o questionamento socrático fornece aos alunos um apoio positivo no aprimoramento das habilidades de pensamento crítico (Chew, Lin, & Chen, 2019).

1. Círculos socráticos

Os círculos socráticos podem ser particularmente úteis para obter uma compreensão aprofundada de um texto específico ou examinar a própria técnica de questionamento e as habilidades do grupo que a utiliza:

• Os alunos são convidados a ler um texto ou passagem escolhida.
• São fornecidas orientações para analisá-lo e fazer anotações.
• Os alunos são organizados em dois círculos – um interno e outro externo.
• O círculo interno é instruído a ler e discutir o texto entre si durante os próximos 10 minutos.
• Enquanto isso, o círculo externo é instruído a permanecer em silêncio e observar a discussão do círculo interno.
• Depois de concluído, o círculo externo terá mais 10 minutos para avaliar o diálogo do círculo interno e fornecer feedback.
• O círculo interno escuta e faz anotações.
• Mais tarde, os papéis dos círculos interno e externo são invertidos.
• Observar o método socrático pode proporcionar uma oportunidade valiosa para aprender sobre o processo de questionamento.

2. Seminários socráticos

Os seminários socráticos são a verdadeira personificação da crença de Sócrates no poder do bom questionamento.

• O professor utiliza perguntas socráticas para iniciar a discussão em torno de um objetivo de aprendizagem específico, muitas vezes um texto que convida à investigação autêntica.
• Diretrizes são fornecidas aos alunos para concordarem com uma participação justa, incluindo exemplos de perguntas e comportamentos para pensar, interagir e ouvir dentro do grupo.
• A aprendizagem é promovida incentivando a análise crítica e o raciocínio para encontrar respostas profundas às perguntas.
• O professor pode definir algumas questões iniciais abertas, mas não assume o papel de líder.

Leva tempo para aprender e usar o método socrático de forma eficaz e deve ser considerado uma parte necessária da jornada global do grupo.

3 técnicas úteis

Às vezes, todos nós precisamos de dicas sobre as perguntas a serem feitas. Os enganosamente nomeados cinco Ws – quem, o quê, quando, onde, porquê e como – são amplamente utilizados para a recolha de informações básicas, desde o jornalismo até ao policiamento.

Simplificando, o questionamento socrático segue as etapas abaixo.

1. Entenda a crença.
   Peça à pessoa para expor claramente a sua crença/argumento.
2. Resuma o argumento da pessoa.
   Reproduza o que eles disseram para esclarecer sua compreensão da posição deles.
3. Peça evidências.
   Faça perguntas abertas para obter mais conhecimento e descobrir suposições, equívocos, inconsistências e contradições.
   • Em que suposição se baseia essa crença?
   • Que evidências existem para apoiar este argumento?

A ordem nem sempre pode proceder como acima. No entanto, as etapas fornecem uma visão de como o questionamento poderia prosseguir. Repita o processo para se aprofundar no cerne de uma questão, pensamento ou crença.

3. Encenação do melhor amigo

Peça ao cliente para falar com você como se estivesse discutindo experiências semelhantes com um amigo (ou outra pessoa de quem ele gosta).

As pessoas costumam argumentar melhor contra seus pensamentos negativos quando estão conversando com alguém de quem gostam.

Por exemplo, “ Seu melhor amigo lhe disse que está chateado com uma conversa ou situação difícil em que se encontra. Fale comigo como se eu fosse essa pessoa .”

O questionamento socrático é uma ferramenta poderosa para examinar ideias de forma lógica e determinar sua validade.

Quando utilizado com sucesso, ele desafia suposições e mal-entendidos, permitindo que você reavalie o que pensa e diz.

No entanto, como acontece com qualquer ferramenta, sua eficácia depende da pessoa que a utiliza.

O questionamento socrático requer a ausência de ego e condições equitativas para todos os participantes. Se você estiver disposto a usar perguntas abertas e lógicas sem um plano rígido e estiver preparado para praticar, essa técnica é uma maneira eficaz de explorar ideias em profundidade.

A teoria, as técnicas e os exercícios que compartilhamos ajudarão você a expandir seus limites de compreensão, muitas vezes navegando por águas desconhecidas, e a desvendar e explorar as suposições e mal-entendidos por trás de seus pensamentos.